Assembleia legislativa de São Paulo aprova lei que restabelece a venda dos MIPS ao alcance do consumidor nas farmácias.
Pouco mais de dois anos depois de entrar em vigor em território nacional, a RDC 44/99 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sofreu mais um duro revés no último mês de março. É que os deputados estaduais de São Paulo aprovaram a lei 14.708/2012, que assegura às farmácias e drogarias paulistas o direito de manterem os Medicamentos Isentos de Prescrição Médica (MIPs) ao alcance dos consumidores, a exemplo do que já ocorreu no Rio de Janeiro.
O projeto de autoria do deputado Antonio Salim Curiati (PP) já havia sido aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em 2010, mas foi vetado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) em 2011. Entretanto, um acordo de líderes partidários na Alesp garantiu os votos necessários para derrubar o veto do governador, assegurando por unanimidade a efetivação da proposta, publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo no último dia 16 de março.
Com a nova lei em vigor, farmácias e drogarias de todos os 645 municípios de São Paulo podem voltar a oferecer os MIPs nas gôndolas e balcões, à disposição dos consumidores. A aprovação do projeto foi comemorada pelas entidades do setor de varejo farmacêutico, que já recomendaram a readaptação dos associados à nova realidade. “As iniciativas de São Paulo e Rio mostram que a sociedade brasileira não concorda com a posição da Anvisa. É sintoma de que talvez certas iniciativas da Agência estejam em desacordo com o que pensa a população, representada por seus deputados. Temos pesquisas do Ibope nas quais 75% das pessoas se posicionaram contra tais restrições”, argumenta o presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto.
Como o Estado de São Paulo representa cerca de 50% das vendas de medicamentos no País, segundo dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), a expectativa do setor é que a abertura promovida por São Paulo e Rio estimule a adoção de medidas semelhantes em outros Estados. “É uma prática consagrada. O consumidor, sem intervenção de terceiros, pode escolher o produto que irá adquirir. Em tese (essa decisão) também reduzirá os custos da farmácia, uma vez que poderá ampliar o autoatendimento”, comemora o vice-presidente executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini. “Pode ser que, permanecendo a restrição em nível nacional, outras iniciativas surjam. Assim ocorreu por exemplo com a venda de produtos de conveniência. Praticamente hoje todos os Estados – e até alguns municípios – editaram legislações a esse respeito”, pontua Sérgio Mena Barreto.
Para o autor da proposta aprovada na Alesp, a entrada em vigor da nova lei desafoga o sistema de saúde e faz jus às reivindicações dos paulistas, que reclamavam da exigência de solicitar no balcão os medicamentos cotidianos e de uso corriqueiro. “Não tinha cabimento ter de enfrentar filas para tomar uma aspirina. A população estava sofrendo e o Legislativo não podia fechar os olhos para tal necessidade”, conta o deputado Salim Curiati, que é médico sanitarista de profissão. “Faltou sensibilidade à Anvisa na hora de baixar a tal norma”, completa.
Mais cauteloso, o presidente da Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias (Febrafar), Edison Tamascia, diz que é precipitado achar que a aprovação da nova lei em São Paulo signifique o sepultamento final da RDC 44/99 e abertura de precedente para todo o Brasil. “Ainda é cedo para fazer qualquer previsão. Se observarmos o que ocorreu quando tiramos da área de circulação os MIPs, em cumprimento à RDC 44, veremos que não houve diminuição das vendas. Ou seja, tirar os produtos de circulação não causou nenhum impacto significativo e não acho que voltar o produto vá alterar a dinâmica atual. Isso é uma decisão local. Vejo pouca influência de uma decisão estadual em outras unidades federativas”, observa.
Apesar da cautela, a Febrafar comunicou a todas as 34 redes associadas à entidade a nova brecha da legislação estadual paulista, emitindo parecer técnico que avaliza a viabilidade da lei aprovada pelos deputados estaduais de São Paulo. “As resoluções da Anvisa não possuem força normativa superior a uma lei e jamais poderão se sobrepor à competência suplementar dos Estados”, diz o parecer jurídico da entidade, que no último ano foi responsável pelo faturamento de R$ 1,059 bilhão na região Sudeste do País. A Febrafar tem 1.352 pontos de venda na região.
Procurada, a Anvisa limitou-se a afirmar, por meio de sua assessoria de imprensa, que não se pronunciará sobre o assunto, até que o mérito da constitucionalidade e do poder de regulação da Agência sejam julgados em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Nos bastidores, contudo, a Anvisa avalia as leis aprovadas nos Estados como inconstitucionais e espera que o julgamento do STF possa avalizar os poderes de regulação do órgão através de suas resoluções, sobrepondo-se às normas estaduais. Desde janeiro, a Anvisa assumiu a revisão da RDC 44/09 ao formar um grupo de trabalho para analisar a regulamentação sobre MIPs. Fato é que, da queda de braço, o farmacêutico é quem deve ganhar importância e ser ator principal da ribalta.
Os MIPs representam cerca de 25% das vendas do mercado farmacêutico brasileiro, que fatura anualmente R$ 42 bilhões, segundo dados da Abrafarma. O presidente da entidade concorda que o mérito da questão tenha de ser definido definitivamente pelo STF, mas diz que os órgãos de representação precisam fazer uma leitura da nova realidade e das diversas liminares emitidas pelo Poder Judiciário em favor do setor varejista de medicamentos. “Não vou avaliar o mérito da questão constitucional, pois isso cabe ao STF. Mas há algo simbólico e profundo a ser analisado. A Abrafarma posicionou-se claramente contrária ao mover a ação judicial contra a Instruções Normativas 09 e 10 da RDC 44/09. Por sinal, a sentença, publicada há poucas semanas, nos desobriga de cumprir as restrições. Além do Poder Legislativo, o Poder Judiciário também é contra tais excessos (da Anvisa)”, avalia Mena Barreto.
“Não podemos sacrificar uma comunidade inteira em favor de uma norma a que a maior parte é contrária. Não há nada de inconstitucional na nossa proposta. A Anvisa tem de respeitar o poder democrático do Legislativo, que é o poder que de fato emana da vontade da sociedade”, rebate o deputado Salim Curiati.
Também contrária a certos pontos da RDC 44, a Febrafar ingressou na Justiça contra a norma e não teve a mesma sorte da Abrafarma. O juiz que julgou o processo da entidade deu ganho de causa à Anvisa, obrigando os associados de todo o País a se adequarem às normas. “É um direito constitucional da Anvisa questionar judicialmente a decisão e é por isso que temos três poderes, cabendo ao Judiciário arbitrar quando não existe consenso nos outros poderes. O juiz que julgou nossa interpelação judicial entendeu que estávamos obrigados a cumprir a determinação da Anvisa, diferentemente de outros juízes que tiveram entendimento contrário. Portanto, mesmo sendo contra a decisão da Anvisa nós estamos cumprindo o que determina a RDC 44”, conta Tamascia, presidente da Febrafar.
Concordando ou não com as normas da Anvisa, as entidades são consensuais em dizer que a nova realidade oriunda da aprovação da recente lei em São Paulo é positiva para o setor e traz ganhos na queda de braço sobre o assunto. A polêmica, contudo, está longe de se encerrar, analisam as entidades.
O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP) divulgou nota de repúdio à publicação da Lei nº 14.708, de 15/03/2012, aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Para o CRF-SP, trata-se de um verdadeiro ato de insensibilidade com a saúde de milhões de paulistas, que vai inclusive contra normas propostas pela própria Anvisa e a práticas usuais em países desenvolvidos. Em nota, ele ressalta que o fato de um medicamento ser isento de prescrição não significa que seu uso não represente riscos.
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